
Sabe aqueles dias em que você demora propositalmente para abrir os olhos, fingi não saber que horas são e tão pouco estar ouvindo o som tão doce do alarme de seu celular e pensa umas mil vezes se deve mesmo levantar ou não?
Hoje meu dia começou assim e já era um presságio de tudo que aconteceria e que me faria ter a certeza de ter feito a escolha errada, levantar não fora realmente uma ideia muito boa.
Ao tentar sair do quarto levei uma rasteira do meu cachorro, sim, uma rasteira, passou por entre minhas pernas feito um louco (o que no caso dele chega a ser um pleonasmo) e quase me mandou de boca no chão. Tudo bem dei bom dia mesmo assim e peguei a sua coleira porque o bichinho já estava pronto sentado de frente para a porta só esperando para nosso passeio habitual de todas as manhãs.
Como de costume é sempre ele que me leva para passear me puxando pelo braço com uma força descomunal e literalmente me arrastando pelas ruas da cidadezinha provinciana em que moramos.
Quando voltei para casa fui direto para o banho, onde o sabonete pulou da minha mão já nem sei quantas vezes, troquei de roupa correndo, tomei meu café da manhã bem leve (metade de um x-bacon de ontem ) , me despedi do meu bichinho e corri para a rodoviária.
Dobrando a esquina da rodoviária pude avistar uma fila que já era o rascunho do que viria mais adiante, aguardei uns vinte minutos porque na minha frente tinham simplesmente duas múmias, para não dizer outra coisa mais bonita, que não sabiam se quer se iriam viajar ou não e pelo que pude perceber nem haviam decidido qual destino seguir.
Passado este pequeno pesadelo, comprei minha passagem para Araçatuba, no único ônibus disponível no horário que não era o convencional, portanto, só poderia ser o suburbano e a própria palavra já diz quase tudo, digo quase porque o tudo neste caso é simplesmente indescritível uma vez que é tão surreal, tão abominável, tão triste e revoltante que não existem no dicionário em nenhum idioma palavras capazes de descrever tamanha barbárie e diria até descaso.
Descaso porque dentro de um coletivo, que para em todas as cidadezinhas possíveis e para a qualquer sinal de vida na estrada tudo acontece, menos um tratamento digno, pois os pobres trabalhadores que precisam deste meio de transporte estão sujeitos a todo e qualquer perigo, principalmente porque estando ali realmente não sabem se voltam vivos para casa.
Assim que subi as escadas senti um frio na espinha, sabia que seria mais uma daquelas viagens deliciosas em que você vai em pé, se esquivando daqueles caras bem novos e cheirosos que adoram encostar em qualquer carne fresca que estiver no pedaço. E de fato somos carregados feito animais dentro de um coletivo, feito bois de carga que ao contrário dos verdadeiros não valem absolutamente nada e que a qualquer momento serão arremessados para fora, porque o motorista jamais fará a gentileza de esperar que você termine de colocar a outra perna no asfalto, ainda mais se você já não tiver mais forças e carregar estampado no rosto um sofrimento de anos em meio à miséria e a desesperança.
Assim que pegamos a rodovia já quase cai no colo de uma senhora que por sorte teve um lugar para sentar, teria sido meu se tivesse fingido como muitos que não a vi entrar, na primeira parada entraram mais alguns infelizes, como aquela pobre senhora, que precisam pegar o ônibus todos os dias para trabalhar, ao contrário de mim que estava ali por um mero acaso, pelo menos neste momento da minha vida em que este tipo de sofrimento foi banido da minha rotina, estava ali apenas para ir a pós-graduação, oportunidade que a maioria presente naquele circular jamais terá.
Cada vez que a porta do ônibus abria mais gente subia e isso me deixava ainda mais indignada, porque não cabia mais ninguém, tinha gente saindo pela janela e se mais alguém entrasse teria que ir do lado de fora do teto. Fomos assim, sem poder respirar muito senão o ar não seria suficiente para todo mundo e acreditem as janelas não abriam, se mexer era impossível, se houvesse um incêndio ninguém poderia sair vivo dali.
Fiquei olhando para aquelas pessoas, tão habituadas a serem mal tratadas, mal servidas e desprezadas e não conseguia pensar em outra coisa que não fosse agradecer a Deus que me permite fazer outras escolhas e optar por um caminho melhor, pois hoje estive no inferno, mas pude voltar. E aqueles pobres trabalhadores que não tem nenhuma outra opção? Eles vivem no inferno e talvez jamais saiam dele.
Carol Freitas